Para que um velório se eu já não estou mais aqui? – Jardim da Saudade

Para que um velório se eu já não estou mais aqui?

Para que um velório se eu já não estou mais aqui?
9 de julho de 2019 Jardim da Saudade
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É muito comum conversarmos com clientes do Jardim da Saudade sobre suas preferencias e opiniões sobre o falecimento, afinal, esta é a única certeza que temos, e faz parte de nosso trabalho dirimir tabus, conhecer diferentes pontos de vista e tratar este momento com respeito, amor e tranquilidade.

Nestas conversas, muitas vezes o assunto velório é polêmico e por isso escolhi este título para chamar sua atenção, pois quando as pessoas planejam ou falam de sua própria morte, a maioria deseja que quem fica não sofra por ela, não chore, não fique triste e até que não perca tempo e dinheiro com isso!

Esta é uma forma racional e prática de ver a situação, não há certo ou errado, e a opinião de cada indivíduo deve ser respeitada e quando possível seu desejo atendido.

Na idade média, quando se tem os primeiros registros de velórios, o objetivo era de “vigiar” o falecido, e observar se o mesmo não iria acordar. O nome “velório” tem origem nas velas que eram usadas para iluminar o local, pois sem luz elétrica as pessoas passavam as noites segurando velas enquanto vigiavam o falecido, o que originou a expressão “velar” o corpo.

Porém, gosto de refletir um pouco mais a respeito e de uma forma mais atualizada sobre o tema, e costumo devolver esta pergunta com outra: Mas o velório é para quem se foi ou para quem fica? Então quem decide?

Quando refletimos em conjunto, uma resposta que aprecio é: o velório é para ambos, ele é a respeito de quem se foi, mas tem uma importância maior para quem fica.

Quando ocorre um falecimento de uma pessoa querida nos deparamos com uma ruptura em todos aspectos, independente se já estávamos nos preparando para o acontecimento ou se foi algo repentino, todos os nossos sentidos e rotinas são afetados de forma drástica e dolorosa, e muitas vezes não conseguimos enxergar quem está ao nosso redor, muito menos compreender em poucas horas o que aconteceu.

Neste momento, em meio a tanta dor, reflexões, lembranças, decisões e acontecimentos, a realização de um velório, independentemente de sua duração, proporciona além de momentos de despedida, lembranças do que foi vivido, a oportunidade de pensar nos erros e nos acertos e com base nestes aprendizados fazer novos planos para seguir em frente.

Sim, eu sei que esta é uma visão um tanto quanto “romântica” e que muitas pessoas preferem ficar sozinhas, se isolar, tocar a vida; mas será que isso seria o melhor? Será que nestas primeiras 24 horas após o falecimento o melhor era mesmo ir para casa e ficar sozinho ou rodeado de pessoas, ligações, mensagens, rede social em meio a tantas lembranças?

Não é raro durante o velório observamos famílias e pessoas que se reaproximam, cooperam, se solidarizam, se reencontrarem em campo neutro e aos poucos mesmo sem se dar conta, nasce a possibilidade de olhar para frente, fazer novos planos, ter e aceitar ajuda, reunir forças para seguir em frente depois desta ruptura e despedida; e estes momentos para mim são a recompensa de realizar um velório, fechar uma porta e abrir outra que represente com orgulho a memória e a falta daquele que se foi, para que possamos seguir em frente, com menos choro, menos tristeza, menos sofrimento, tal qual era o desejo daquele cliente que relatei a conversa no início deste texto, pois a vida é um ciclo, e percorremos um longo caminho para chegar exatamente onde partimos, e só depende de nós como estaremos quando lá chegarmos.